O projeto foi premiado no Concurso de Estudantes | 9ª Bienal Internacional de Arquitetura 2011 – Categoria: Vox Populi - Memória Cicatrizada do Césio -137.
No Setor Norte na cidade de Goiânia, surgiu o Bairro Popular que foi desenvolvido a partir da Vila Militar, próximo ao Quartel da Polícia que se localizava na Rua 67, atual Avenida Independência, com um skyline horizontal, primordialmente residencial, alheio as “riquezas” que se desenvolvia no interior do núcleo urbano, considerado, anos depois, como parte do setor central.
Atualmente, é possível encontrar de tudo no Bairro Popular: padarias, açougue, supermercados, hotéis, bancos, laboratórios, etc. A diversificação é grande, fazendo com que muitas vezes o morador não precise sair do Bairro, apenas em casos que exijam equipamentos e serviços maiores.
Hoje em dia, o Césio caiu em esquecimento e o que vemos ao andar pelo bairro são: edifícios pichados e deteriorados, calçadas precárias e conseqüentemente, a carência de acessibilidade por portadores de necessidades especiais. Vemos uma população com um bairro consolidado, entretanto, sem qualidade de habitat, um mercado que tenta se reerguer, em busca de uma identidade local, o sofrimento de um preconceito velado, cego e desnecessário que marcou Goiânia perante seus habitantes e o Brasil.
Histórico Césio
O acidente radiológico com o isótopo Césio 137 iniciou quando os catadores de sucata Roberto Santos Alves e Wagner Mota pegaram uma máquina radioterapêutica abandonada no antigo Instituto Goiano de Radioterapia, então desativado.
A fim de obter lucro com o chumbo da máquina, os catadores venderam a peça para o ferro velho do senhor Devair Alves Ferreira, localizado no Bairro Popular. Destituído de conhecimento na área da saúde, Devair abriu a máquina e achou a capsula com o Césio em estado sólido, em forma de pó. O material, atrativo por sua cor e fluorescência foi distribuído para parentes e amigos.
As pessoas que tiveram contato indireto ou direto com elemento apresentaram sintomas como náuseas e tonturas. A sobrinha de Devair, Leide das Neves, não só manipulou o elemento com chegou a ingerir o pó. A mãe da criança, preocupada com os sintomas que esta apresentava, levou o material a Divisão de Vigilância Sanitária (DVS), onde foi solicitado a presença de físicos que constataram um alto índice de radiação na Rua 57 do Setor Aeroporto, onde morava Leide das Neves.
Como medida de emergência foi acionada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Se realizou, então, uma triagem dos contaminados. Aqueles que tinham entrado em contato com a fonte diretamente foram encaminhados ao Hospital de Doenças Tropicais (HDT). Os contaminados tomaram um quelante denominado de “azul da Prússia”, que elimina os efeitos da radiação, fazendo com que as partículas de césio fossem eliminadas do organismo através da urina e das fezes.
No total 112.800 pessoas foram expostas ao césio, mesmo com os tratamentos oferecidos, quatro não resistiram e acabaram morrendo, dentre as vítimas temos Maria Gabriela, esposa de Devair; Leide das Neves, sobrinha de Devair e dois funcionários do ferro-velho. Outras pessoas que tiveram contato indireto morreram ou sofrem dos efeitos da contaminação.
Os objetos contaminados com o césio-137 renderam cerca de 6.000 toneladas de lixo radioativo, depositado em um local construído na cidade de Abadia de Goiás.
Os fatos resumidos dos principais acontecimentos resultaram na criação da Fundação Leide das Neves Ferreira, entidade destinada a oferecer ações assistenciais às vítimas, pesquisa e referencial futuro para a humanidade.
Goiânia após o acidente tornou-se uma cidade com um monitoramento permanente de todos os índices de câncer, de qualquer tipo, realizado pelo Setor de Saúde Pública e Privada. Esses dados estão disponíveis para pesquisas atuais e futuras. Isso leva à cidade de Goiânia ser conhecida como referência para estudos sobre o Câncer em geral.
O que é Césio 137?
O césio-137 é um radioisótopo, ou seja, um isótopo radiativo do césio. Isótopos de um elemento químico são as variações de massa atômica que este elemento pode apresentar. Assim, os isótopos de um mesmo elemento têm o mesmo número atômico e diferentes números de massa.
Como em sua forma alcalino-metálica o césio se apresenta no estado líquido à temperatura ambiente, sua utilização era feita no formato de sais, como o cloreto de césio, muito parecido com o sal de cozinha, mas que no escuro emite o brilho cristalino azulado que fascinou e contaminou em Goiânia.
A radioatividade pode ter efeito devastador no organismo humano. Começa a destruir as células de dentro para fora: primeiro a camada muscular seguido dos vasos sanguíneos, depois atinge a camada de gordura, posteriormente a derme e a epiderme.
Conceituação
Esse terreno foi escolhido por seu grande valor histórico e simbólico para a cidade de Goiânia. Ele está perto de equipamentos urbanos muito importantes como: a rodoviária, a feira da estação, a feira hippie, o centro de convenções, o centro meteorológico e o mercado popular.
O caso do Césio 137 marcou a população não só goiana, mas também brasileira, sendo reconhecido internacionalmente como um desastre radioativo de grandes proporções. Para se fazer um projeto arquitetônico nesse local, deve-se ter um estudo aprofundado sobre a sua historia, cultura e influencia na sociedade, porque não estamos propondo só uma intervenção na cidade, mas também na memória de muitos cidadãos que foram vitimas diretas ou indiretas desse desastre radioativo.
Por fim, queremos propor nesse lugar uma arquitetura que seja capaz de cicatrizar a ferida deixada pelo Césio 137.
Problemática
As conseqüências psicológicas do acidente radioativo foram muito mais abrangentes do que a própria contaminação pelo Césio 137. O medo foi o principal fator desencadeante dos sintomas psicossomáticos (náuseas, vômitos, diarréias…) apresentados por parcela significativa da população goianiense.
À medida que as vitimas avaliam tudo que é necessário para reconstruir suas vidas, manifestam dor, aflição e desespero. Elas sentiram falta do contato, do amor e do apoio emocional. A principal agonia era o desconhecimento do que estava acontecendo e a impotência diante do problema. Até hoje a maioria dos atingidos não conseguiram se recuperar. Para cicatrizar a ferida temos que oferecer oportunidades para essas pessoas renascerem.